Os sertanejos Fabiano, o pai, Sinhá Vitória, a mãe, os dois meninos, acompanhados pela cachorra Baleia e o papagaio de estimação atravessavam a Caatinga pernambucana.
Desalentados pela seca, pelo sol forte, pela fome, pela sede, pelo cansaço de existirem seguem arrastando seus mulambos por dentro dos leitos dos rios esturricados. Procuram lugar, o menino mais novo acaba desmaiando diante das tamanhas imposições da vida. Fabiano aperta-lhe com a espingarda, com o facão, com as ameaças guturais, mas o excomungado não se mexe. Fabiano, então se compadecem do filho ao ver os urubus fazendo seus giros entre o sol e o chão esturricado. Carregou-o nas costas, como um pacote; e seguiam. Agora mais vagarosamente, porém ele tinha que seguir viagem. Era sua perseverança. Ele não sabia para onde ir, mas tinha de prosseguir. A morte do papagaio, aquela noite, trouxe a todos uma mistura de alegria trágica e tristeza esperançosa. Afinal, era sempre assim, andavam sempre divididos. Divididos entre a perda e a necessidade. Num dia de sorte, a cachorra baleia caçou um preá dos bons. Aquela caça dava o tom da emoção e da salvação desses viventes. Sinhá Vitória, como se beijasse, lambia o sangue do preá que escorria pelas ventas da cachorra.
Capítulo 2: Fabiano
Os infelizes chegaram, então, a uma fazenda abandonada e seca, em que pouco vivo restava. Restos suficientes para alegrar a todos, sobretudo, Fabiano, que, agora, sentia-se relaxado, sentia-se homem. Ou melhor, um bicho. Sim, um bicho. Orgulhava-se, afinal que importava?! Eles estavam vivos. E somente bichos poderiam sobreviver àquelas circunstâncias. Fabiano orgulhava-se de ser um bicho. Um cabra. Cabra vivendo em terra alheia, cuidando de coisas alheias; ele entendia-se bem com a natureza. Sua vida seca e difícil o reduzira à condição natural: era um bicho, grugunhia como bicho, relacionava-se com a família como um bicho e era feliz assim. Recordava-se de seu antigo patrão: seu Tomás da bolandeira, homem culto, inteligente, só não sabia mandar. Imaginem, em vez de mandar, pedia. Era um absurdo. Pedir?! Isso lá era jeito de tratar empregado. Fabiano admirava seu Tomás, tentava imitá-lo no jeito de falar, tentava imitar palavras difíceis de modo enrolado e incompreensível, de qualquer maneira, pois eram muito melhores que seus poucos bocejos.
Capítulo 3: Cadeia
O dono da fazenda finalmente apareceu. Ainda bem, pois a fazenda estava “cuidadinha”. Deu a Fabiano o cargo de capataz. Agora iriam viver. Teriam até dinheiro.
Fabiano foi então à vila para fazer feira com o dinheiro emprestado e para vender um porco que matara. Porém, o fiscal do governo exigiu-lhe imposto e o impediu de vender a carne.
Na mercearia do seu Inácio, Fabiano acaba se envolvendo em um jogo de cartas com o soldado amarelo. Perdeu o dinheiro. Sentindo-se desolado diante da situação, retirou-se bruscamente do jogo. Como iria explicar à família aquilo?!
O soldado amarelo considerou aquilo uma ofensa, prendeu Fabiano, surrou-o humilhantemente na cadeia. Durante a noite inteira, sua mente não se acerta, fica confusa, uma mistura de revolta e desalento.
Capítulo 4: Sinhá Vitória
Sinhá Vitória está desiludida, a situação do dia-a-dia piora cada vez mais. seu sonho de ter uma cama de couro, como a do antigo patrão, Seu Tomás, fica cada vez mais distante. Como conseguí-la? Gasta tempo tentando dar alguma esperança ao sonho, mas a vida é mais forte. A miséria impõe-se cada vez mais fortemente, já anda perdendo a paciência com os meninos, com a Baleia, com o Fabiano. Tenta a todo custo manter o sonho, o sonho de que um dia viverá com o mínimo de dignidade. Essa possibilidade de que um dia tudo seria diferente já fazia a diferença. Por muitas vezes ela sentia-se quase feliz.
Capítulo 5: O menino mais novo
O menino mais novo sentia realmente afeto pelo pai. Queria, quando adulto, ser vaqueiro como o pai. Não tinha nome, mas isso não tem importância, pois bicho não precisa de nome mesmo. Ficava imaginando o dia em que poderia montar uma égua alazã e guiar o gado, ao lado do pai, fazendo inveja para todos, até para o irmão mais velho.
Resolveu exibir a sua vocação: saiu montado em um bode cavalgando, e lá se foi para o fundo do barranco todo machucado, para as risadas do irmão mais velho, para a repreensão no olhar da Baleia.
Capítulo 6: O menino mais velho
O menino mais velho vivia observando o trabalho da mãe na cozinha. Sinhá Vitória vivia reclamando da vida: ê inferno, sempre dizia. Inferno: a palavra parecia tão carregada, cheia de sentido; o menino precisava saber o seu significado. Perguntava à mãe, foi insistente, perturbador, pois deixou a mãe numa situação muito difícil. A mãe não sabia explicar-lhe. Sentiu-se limitada e indignada acabou descontando seu desgosto no filho, que saiu humilhado e foi se consolar com sua fiel amiga Baleia, que, no entanto, estava concentrada na cozinha, onde sinhá Vitória preparava o osso com medula e até nacos de carne. Ele estava só, impedido de saber, de ter alguém para dividir as suas angústias.
Capítulo 7: Inverno
Com o inverno chegaram as chuvas no sertão. Sentada ao redor do fogo, a família se aquecia à noite. Conversavam continuamente sobre suas miragens: um nordeste sem seca, a caatinga verde, rapadura para comer, o gado gordo. Fabiano regatava-se. Mas mesmo a época de prosperidade não afastava as preocupações de Sinhá Vitória. Preocupava-se, pois, junto com as chuvas poderiam vir também as enchentes.
Capítulo 8: Festa
Fabiano e sua família foram passar o natal na cidade. O aperto das roupas e o desconforto causado pelos sapatos que eram estreados, juntamente com a sensação de ridículo que sentiam por estarem dentro de roupas que não eram de uso comum para eles comprometia a felicidade daquele momento. Felicidade que chegaram a sentir com a sensação de serem pessoas normais.
Na hora da missa, Sinhá Vitória tentava adquirir um vínculo positivo com a situação, tentava participar da cerimônia já os meninos estavam tomados pelo medo. Desolados viam os pais menores do que os santos, menores e mais insignificantes do que já eram, tão menores que aquela gente da cidade, e era tanta gente, tantas coisas novas. Cochichavam as tantas descobertas. Sentiam-se como selvagens, bichos do mato. Sentiam-se como Fabiano se sentia, preso, igual a quando estivera na cadeia. Resolveu então ir à bodega do Seu Inácio. Lá, bebeu, procurou briga, desafiou todos, sem obter resposta. Nem ele nem suas intrigas importavam para os outros. Humilhado, voltou para perto da família para agüentar aquele desconsolo de festa.
Capítulo 9: Baleia
Baleia ficou doente. Seus pêlos caíram, as costelas apareciam na pele rósea, onde manchas escuras convertiam-se em pus e sangravam. As chagas cobriam-lhe a boca de inchaço.
Fabiano resolveu matá-la, Sinhá Vitória achou precipitado, afinal, não estava louca. Fabiano achava que era hidrofobia, por isso não havia escolha.
Os meninos foram levados para dentro. Fabiano chamava a cachorra. Os meninos se desesperaram: vão bulir com a Baleia, não é mãe?!
Fabiano alcançou a cachorra perto do alpendre, estava irritado com a situação. Atirou. A carga atingiu a pata traseira de Baleia. A cachorra saiu de pernas tortas, arrastando-se em três delas para detrás de uma moita de espinhos. Sua consciência sumia-lhe. Era tarde. Precisava descansar.
Com um enorme esforço, tentava vencer o nevoeiro que tomava conta dela. A muito custo abriu os olhos e viu em sua frente Fabiano segurando um objeto ameaçador. Pensou em mordê-lo, mas como podia, depois de ter passado a vida toda na obediência, juntando o gado a um só sinal de seu dono. Ela pertencia a ele. Sabia disso.
Foi então que reparou em todos aqueles bichos soltos. Já era de noite, já era alucinação. Estranhou a ausência dos meninos. Tudo era uma noite de inverno, fria, gelada, nevoenta.
Ela queria dormir ali entre a cozinha e o alpendre, na pedra quente do fogão. Amanhecendo, acordaria feliz, lambendo a mão de um Fabiano enorme, as crianças rolariam com ela em um pátio imenso, o mundo ficaria cheio de preás, gordos, grandes, o nordeste seria um campo verdejante, cheio de árvores e bichos. Tudo seria diferente.
Capítulo 10: Contas
Fabiano foi até a casa do patrão para receber seu pagamento. O patrão apresentou-lhe cálculos que eram muito distintos daqueles que Sinhá Vitória havia preparado. Era tão pouco e injusto. Fabiano, de impulso, reclamou, proferiu com blasfêmias. O patrão tentou justificar-se dizendo que contavam-se ali os juros pelos empréstimos antecipados. Provavelmente, os cálculos estavam certos.
Fabiano aceita a explicação, gente como o patrão não ia ter motivos para prejudicá-lo. Ele sempre fora respeitador e honesto, o patrão devia de ser também.
Porém, o sonho de se firmar naquela fazenda destorcia-se. A idéia de permanecer ali era abalada por uma ameaça, seria demitido?
Fabiano revolta-se. Por que tinha de ser sempre aquilo?!
Capítulo 11: O soldado Amarelo
Passado um ano de sua injusta prisão, Fabiano reencontra-se com o soldado amarelo perdido pela caatinga. Tinha nas mãos a chance de se vingar. Uma facada e ele mandava aquele sujeito para outro mundo. Aquilo era um covarde, se aproveitava da farda e da autoridade. Fabiano respeitava a lei. Por isso deixou aquele mulambo ir embora vivo. Fabiano possuía princípios.
Capítulo 12: O Mundo Coberto de Penas
A presença das aves de arribação representava a aproximação da nova seca. Fabiano tentava espantá-las atirando-nas, porém, em vão. Era a luta contra o destino, contra sua natureza cruel. Sua sina só era comparável à sina de Baleia. Uma desgraça total. Ao pensar no dono da fazenda e no soldado amarelo, Fabiano ficava à beira da loucura. Ele era um homem, ou antes um cabra safado. Se não fosse teria entrado para o cangaço. Tinha feito miséria. Tinha matado aquele fazendeiro injusto e aquele soldado desumano. Mas ele era um cabra safado. Voltou então para casa impotente e fraco.
Capítulo 13: Fuga
Com a nova seca, Fabiano juntou todas as coisas, a sua família e seguiu caminho. Mais uma vez estavam de mudança. Retirantes. Como as aves de arribação. Como bichos. Não tinham escolha. Recordavam-se da Baleia. Desconsolados, fugiam de madrugada. Era bom evitar o confronto com o patrão. Aquilo não era humano. No caminho o passo tinha de ser intenso. Seguiam: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo. Para onde? Eles não sabiam. Sabiam que tinham que prosseguir. Estava escrito.
Fonte: Casemiro, Charles Borges
Literatura Comentada: Vestibulares Fuvest 2001
São Paulo: Edições Casemiro; 2000.
o ki vc nao intendeu qndo leu o livro aki tu intende na boa
ResponderExcluir